sábado, 1 de novembro de 2008

Lysos

A Premonição…

.Longe estava eu de saber como iria ser o meu futuro depois daquela tarde quente de Julho de 2000.
.Havia passado o primeiro ano da faculdade com a minha avó em sua casa, mas por “incompatibilidade de rotinas”, chegamos à conclusão que seria melhor para ambos se procurasse outro sítio para viver... O problema era que nesse primeiro ano muito pouco me havia inserido nos meandros da faculdade, do meio académico e estudantil, tendo poucas perspectivas de conhecer alguém com quem pudesse dividir um espaço ou um apartamento onde residissem estudantes e onde me pudesse encaixar. Haveria de ser na base da descoberta casual que iria ter que resolver a minha situação de habitação. Se socialmente e pessoalmente aquele primeiro ano havia sido duro e mau para mim, já academicamente, foi de longe o melhor. Isso acabou precisamente por ser o problema do menino da praia e dos espaços abertos, que se propunha agora a fazer uma licenciatura numa cidade que pensava conhecer e dominar, mas da qual, além da família, não tinha apoio, nem conhecimento nenhum…
.Com alguma naturalidade procurei uma das poucas pessoas com quem tinha afinidade e desenvolvido confiança no primeiro ano da faculdade. O já finalista do curso de direito, meu amigo Ruben. Era Julho, e eu como qualquer bom aluno que se preze estava já resolvido e de férias, com boas notas e livre da época de Setembro. Sonhava apenas com o regresso à base onde descomprimiria como nos bons velhos tempos… Havia apenas que deixar o assunto da casa resolvido. Não fosse depois em Setembro ser tarde demais!
.Penso que houve uma ou duas abordagens prévias, mas quando lhe liguei a focar mais objectivamente a necessidade de casa, respondeu-me ao telefone de forma convicta “pá, conheço o sítio ideal para ti!” , “olha, sabes o que é uma República?”, ao que respondi “uma República?!?”, “pronto, sábado à tarde, às tantas horas encontramo-nos na Universidade e vamos aí ver casa para ti”, disse-me ele. Levei os dias que intervalavam até sábado a pensar para mim: “que raio será esse sítio de que ele me falou?”; “deverei confiar no seu julgamento?”, “conhecer-me-á ele assim tão bem para saber o que é um sítio bom para mim?”.
.Nesse quente e abafado sábado citadino encontro-me com o Ruben à hora combinada. Estou ansioso e pergunto algo do género “então onde me levas?”, “já verás”, respondeu. Não tardou a percorrermos a Avenida Rodrigues de Freitas que divide a maior parte da distância entre a Universidade Moderna na Batalha e a Real República dos Lys.o.s. na Rua António Granjo, nas costas do Liceu Alexandre Herculano.
.Deparo-me com uma casa velha, à semelhança das restantes na rua, com dois andares e aspecto pitoresco. A bandeira preta com um símbolo que não consigo descortinar, os tachos e panelas pendurados por cima da porta, dão sem dúvida, um aspecto singular àquela casa! Ao batermos à porta (insistentemente) por um batente antigo, eis que aparece numa janela do segundo andar um sujeito cumprimentando efusivamente quem lá vinha. Sem demoras, atirou uma chave e convidou o seu amigo Ruben a abrir a porta e subir. Não me apercebo de pormenores, mas apercebo-me à medida que vou subindo a escadaria, que a casa está escura, algo sombria, vazia e silenciosa. Chegamos ao quarto onde estava o Marco. Estudava, também ele em época de exames. Parecia compenetrado e concentrado. Por essa altura caminhava a passos largos para a conclusão do curso de direito. Apesar de ter sido apresentado pelo Ruben como o tal possível candidato a viver na casa, começamos por conversar sobre diversos temas e por nos apresentarmos em amena cavaqueira. Constatei que com ele partilhava gostos e formas de pensar e ver o mundo ao nosso redor. Após me ter elucidado sobre o funcionamento de uma República em termos gerais e me ter mostrado a casa, devo admitir que senti uma atracão imediata por aquele sítio! À pergunta: “então e onde está o resto da malta?” “Foram estudar para a praia…” , respondeu-me ele!
.De facto era sombria, velha, húmida e com muito poucos luxos. Mas era mesmo daquilo que eu estava a precisar. Ao pressentir espírito de união, poder de adaptação e boa disposição, soube que ali me daria bem!
.Em tempos, o recrutamento da República era feito de forma directa. Isto é, entrava sempre o conhecido do Republico ou o amigo do amigo do Republico. Hoje, a cidade cresceu, as faculdades multiplicaram-se e o poder de compra aumentou exponencialmente fazendo com que uma República no Porto seja, não só uma ilha longínqua, como também um local não tão atractivo e vantajoso como outrora. Ou assim pensará a maioria. Na verdade, o recrutamento hoje em dia faz-se, muitas vezes de forma indirecta. Recorrendo a cartazes ou anúncios ou buscando o amigo do amigo do amigo… De qualquer forma, mesmo vindo pela mão de um amigo da casa, pedia-se, para que quem entra e quem lá está se conheça e se possam tirar primeiras ideias e conclusões de ambas as partes, que eu fosse aparecendo, dentro do possível, até à data do meu ingresso na República, no início do ano lectivo seguinte, em Outubro. Assim fiz, e por duas ou três ocasiões ainda em Julho, antes de descer até ao Reino dos Algarves, apareci para confraternizar. Apanhei sempre a malta em ambientes lúdicos e de diversão, muito longe de um ambiente de sala de estudo! Mas a verdade é que tal como eu, a maioria dos que com quem tive o prazer de partilhar a casa, terminaram os seus cursos. Provando que a taxa de sucesso escolar numa República é positiva, senão elevada.


Foto 1 - Da esq. para a direita: Marco e Micael. Ambos licenciados em direito, são duas referências da República dos Lysos. Para mim, dos melhores amigos que tenho. Sempre presentes e leais.




A Constatação…

.Foi um início intenso e atribulado. Entrei na casa em Outubro de 2000 aos 21 anos. Integrei um grupo de oito Repúblicos com uma média de idades substancialmente superior. Muitos já em fases avançadas dos seus cursos, outros, numa fase da vida que adivinhava a saída da casa. Falavam-me em passado, presente e futuro mas eu, apenas vislumbrava um presente bem presente! Entrei a 200 à hora. Intensamente vivi festas académicas, noites ribeirinhas, actividades extra-curriculares e um dia-a-dia descontraído. Falavam-me em regras e vivência em comum. Aí, cumpria com as minhas responsabilidades com naturalidade. Integrei-me bem no grupo e ocupei o meu espaço. Falavam-me, por outro lado, em responsabilidade de ser Republico. De ser LYSO. E aí, por mais experiência de vida que tivesse adquirido até então, não conseguia compreender de que me falavam eles. Percebi, com o tempo (muito tempo) que era uma amizade especial. Forte e incorruptível. Ligando um grande número de pessoas, formando quase uma irmandade.
.No primeiro Centenário que vivi nos Lysos, um mês e meio depois de lá habitar, tive a primeira impressão de onde estava, e constituiu o primeiro passo na formação da minha identidade Lysa. Com a preparação da festa antevi a recepção não só a bastantes pessoas, mas também a pessoas por quem se tinha respeito e a quem se desejava agradar. Por essa altura, todas as histórias e episódios que me iam contando eram-no precocemente, pois teria que os viver na primeira pessoa para os entender verdadeiramente. Nasceu em mim curiosidade e vontade de conhecer tal família!
.E vivi-os. As histórias, essas permanecerão para sempre comigo e com quem as vivi. Foram muitas, intensas e engrandecedoras. Quiçá seja eu narrador incapaz de ao converter tais histórias em palavras, mostrar o quão significante e valiosas foram elas para mim…
.Ao fim de 6 meses na casa os meus contemporâneos acharam ser tempo de acabar um período experimental, necessário a que toda a gente se conheça e se enquadre, e votaram-me Republico. Pouco mudou no meu comportamento a partir desse dia, mas passei a ser um Lyso! Finalmente a responsabilidade de que muito me haviam falado começou a dirigir-se a mim também. Inconsciente e involuntariamente fui-me imbuindo no espírito da República. Fui conhecendo cada vez mais Repúblicos de outros tempos, amigos de Repúblicos, e a gestão da casa começou a passar também, mais directamente, por mim. Quanto mais me envolvia mais me queria envolver. Aquela casa, aquela instituição, aquelas pessoas, aquele passado e a consequente projecção de um futuro, passaram a fazer parte de mim.
.Uma República é uma instituição distinta de todas as outras que albergam estudantes na medida que não obedece a qualquer regra ou padrão exterior a si própria. Funciona na base da auto-gestão e do auto-financiamento. Em última instância poderá sempre sujeitar-se às vontades de um senhorio do respectivo imóvel. A magna excepção, como no caso dos Lysos, é o imóvel ser propriedade da própria República, dando por um lado, uma infinita liberdade de acção, e por outro, um acréscimo de responsabilidade a quem nela vive.
.Nos 5 anos de permanência nos Lysos amadureci como Homem de forma que dificilmente aconteceria num outro sítio qualquer. A distância de 500km para a minha casa e o meio que bem conhecia fizeram-me estar só, projectando e efectivando uma família nas pessoas com quem vivia. Numa casa com lugar para doze, conheci inúmeras pessoas de quadrantes diferentes. Estratos sociais distintos e localizações geográficas diversas. Com essas pessoas ganhei o passaporte para visitar e conhecer o Minho, Trás-os-Montes, a Beira Alta. Fui obrigado a partilhar. Não só casa e espaço, mas principalmente diferenças, vidas, obrigações, emoções… Aprendi a cozinhar, a pagar contas, a fazer compras, a cuidar de roupa, a limpar, a pintar, a engendrar soluções onde antes só veria um problema. Formei-me lado a lado com quem veio a formar-se advogado, engenheiro, gestor, professor, padre. Tal convívio não tem preço. Ainda que sem luxos ou belezas estéticas, por 11 contos/mês tinha, quando entrei em 2000, direito a cama, telefone, tv cabo, água, luz, usufruto da casa toda, empregada para limpeza das áreas comuns, sendo que, mais tarde vim ainda a usufruir de computador e internet. Saí em 2005 a pagar 80euros. Haverá alojamento com tais condições por estes preços? Não me parece.
.Aqueles 5 anos foram, sem dúvida, os mais preenchidos da minha vida. Ali consegui ser feliz e fazer verdadeiras amizades. A intensidade do contacto promovido por tal convívio dá, a quem por ela passa, uma experiência rara nos dias cheios de impessoalidade, desumanos e insensíveis que se vivem nas nossas sociedades de hoje. Dá o companheirismo, a amizade, a verdadeira amizade.


Foto 2 - Eu e o Capela. Em 2005, de pé partido e com a saída da casa à espreita, fui, um Domingo, com o Micael, ver a conclusão das recentes obras realizadas nas paróquias do Capela, no concelho de Penafiel.


Foto 3 - Da dir. para a esq: Mor Augusto, Melo e Arménio. Três fundadores da RR dos Lysos em almoço de convívio de Centenário. Centenário porque, numa República, um ano vale por cem! Que o digam os Repúblicos.



O Adeus…

.Por tudo isso o adeus foi penoso. Foi difícil sair. Apesar de me considerar sensível e emotivo em algumas situações, outras há em que me consigo portar de forma distante e absorta. Talvez como mecanismo de defesa…face ao sofrimento da perda eminente.
.Assim, não foi com lágrimas que me despedi, mas naquele 24 de Dezembro de 2005 um vazio enorme ficou no meu coração. Havia subido para o Porto dias antes com o carro da minha mãe, pois agora, 5 anos depois seria impossível fazer-me transportar com tantos pertences acumulados se não fosse de carro. Enchi o carro até não dar mais. Não olhei para trás. Esses dias foram passados de forma evasiva como que me forçando a não me compenetrar no passo que estava para ser dado. Só não deixei de olhar para trás ao César. Dos que, com quem me iniciei na casa, foi o único a estar presente. Com os demais residentes da altura, ainda não tinha, por serem recentes, um grande laço afectivo. Aquele abraço fraterno, jamais esquecerei. Já não vivia na casa, mas veio para se despedir de mim.
.A verdade é que não havia conseguido definir um plano para o futuro e agora, partia rumo a um completo desconhecido. Por nada certo ter em mão, era hora de regressar à base e daí começar de novo.
.Penso que relativamente à vivência passada numa República, qualquer um que a deixe, e que nela tenha deixado muito de si, reflecte, no momento da saída, sobre duas questões fundamentais. O saudosismo, as experiências vividas, o que ficou e jamais voltará… E o próprio futuro da casa na sua ausência. Quem fica, quem virá, o que acontecerá a algo de tão lindo e especial que não é só um tecto…
.Tudo isto me assaltou no momento de sair. Claro que a razão nos diz que se não tens trabalho ou casa, o terás, que o passado ficará guardado com quem, e por quem o partilhaste, que a casa em si se aguentará, que outros virão… Mas no coração dói.
.Deixei a República dos Lysos diferente do que a encontrei. Doutra forma não poderia ser. Melhoraram-se infra-estruturas, equilibraram-se contas, reactivaram-se laços desatados, e iniciou-se um importante processo de actualização e reorganização burocrática. Cresci como homem, não desiludi nem traí o amigo, não falhei como pessoa.
.Mais Homem, engrandecido, de cabeça erguida e de consciência tranquila, foi como saí da Real República dos Lys.o.s.!

Foto 4 - Festa de São João na República. Por alturas das festividades da cidade do Porto, é já da praxe o convívio entre Repúblicos e amigos da casa.

Ser Lyso!

.Ser Lyso é ser grande, é ser maior, é saber dar e receber, dividir para compartilhar, ter o coração cheio de sentimentos puros e positivos. Ser leal, fiel e irmão. Quem assim não for, ou por infortúnio das circunstâncias ou, por incapacidade pessoal, não se poderá considerar um verdadeiro Lyso. Um verdadeiro Republico!
.Ser Lyso é, por mais tempo que se esteja afastado de um outro Lyso, sentir uma proximidade tal, que desmorona qualquer noção de tempo entretanto passado. É saber que se pode sempre contar com mais alguém, é estar-se sempre pronto para mais alguém.
.É continuar aberto a novas experiências e vivências em todas as áreas da vida. Munido de um espírito aberto, saído reforçado pela experiência Lysa. É persistir na crença da amizade genuína, fruto do exemplo vivido no seio dos Lysos. É lutar pela sinceridade e frontalidade, pois tal foi a forma que vivi e vi viver na República dos Lysos.
.Após sofrer o acidente, e me ver internado em Lisboa, primeiro no Hospital São José, depois em Alcoitão, não foi surpresa total ver os Lysos da zona de Lisboa, de gerações anteriores, entrarem-me pela enfermaria com palavras de conforto e amizade. O que foi surpreendente foi ver como o fizeram. De forma persistente e sincera. Deram-me um sentimento de pertença enorme. Deram-me carinho e amizade. Desde a primeira visita do Álvaro, às úteis e pertinentes lembranças do Augusto e do Kim Carvalho, às conversas com a Gisela, com a Fernanda, às visitas do Rosa e da Gilda, do Vítor, do Zé Manel, do Melo, do Donas, do Sakelarides, do Antero, do Fadista, aos almoços Lysos na Ordem dos Engenheiros… Tudo me ajudou. Fez-me sentir protegido. E essa sensação era verdadeira. A cada solicitação de ajuda, ela aparecia prontamente. A principio, na minha cabeça uma dúvida persistia em fermentar: “porquê?, porque vem esta gente tão sinceramente partilhar o meu sofrimento?” A resposta foi surgindo… “Porque somos Lysos!”
.Ser Lyso é não ter participado no famoso desaparecimento da bola de queijo do Repúblico Paulo “Batata” e, mesmo assim, ter sofrido represálias pelo facto. É ter sobrevivido a intensos ataques de “aligators” em festivais com os Repúblicos Marco e Bruno. É ter vivido alegres e longas noites. Participado em amenas dissertações sobre os mais variados temas com o Evélio, com o Jesus… Foi, em desespero, precisar da ajuda do Repúblico César, e tê-la. É ter dividido quarto com o Padre Capela. É ter incentivado e espicaçado o Repúblico Micael, o Repúblico Hugo Martins. Foram as sessões de “Play” com o Repúblico Pedro e os demais perdedores. Eram as conversas espirituais com o Repúblico Paulo Magalhães. Politico-filosóficas com o Ivo. Momentos de pausa e lazer num café com o Alberto. Os devaneios nocturnos com o Tino. É ter participado em fartos e divertidos jantares comunitários. É ter rido até não poder mais naquela sala de convívio que serve de plataforma giratória para todas as acções dos Repúblicos Residentes. Era acordar com o quarto invadido por quem procurava divertimento. Foram as reuniões de casa com o sempre (des)atento e (im)pertinente Rogão! Ah! E quando este último resolveu apagar o fogo que se vivia no quarto do “agente Batata” e do Padre Capela?! Parecia que ali havia nevado!
.Após pouco mais de um ano internado, sentia interesse e confiança suficientes para ir do Algarve ao Porto participar em mais um Centenário da República. Acaso do destino, sei com algumas semanas de antecedência que, se iria realizar na mesma data, em Albufeira, um evento de solidariedade a mim induzido. No âmbito de um passeio de cicloturismo, seguido de almoço, a causa solidária ganharia mais uma vez forma. Dirigida a mim, pareceu-me desde logo que saberia a desrespeito e ingratidão, a falta de comparência ao evento, sob o pretexto da presença numa festa no Porto. Dentro de todas as condicionantes a que me submeto, pensei ainda fazer a viagem de carro. Mas não só seria apertadíssimo em termos de tempo, uma vez que domingo teria que estar no Algarve, como seria algo desgastante. Foi aí que, com insistência e contundência, apareceu o espírito Lyso. Dias antes do dito fim-de-semana, ao contactar o Kim Carvalho, este pergunta-me como estavam os planos para o Centenário. Ao ver que vacilo e não tenho grandes ideias sobre como estar em dois lados ao mesmo tempo, propõe-me a solução. Arranjar-me-ia bilhete de ida e volta, de avião, para sexta e domingo, respectivamente. Graças a ele marquei presença no 49º Centenário da República dos Lysos. Foi cansativo e curto, mas valeu a pena. E no domingo, 16 de Novembro, cansado e sonolento, ainda agradeci a todos os presentes no almoço de confraternização e convívio dos cicloturistas.
.Ser Lyso é tudo isto e muito mais... Agradeço aos Lysos por me terem acolhido e me terem ajudado a transformar-me num deles. E agradeço ao Ruben, que afinal sabia o que era o melhor para mim!



Foto 5 - Os Lysos estão de parabéns! O ano passado, 48. Este ano, 49. Para o próximo, 50! Mas cada dia que passa com a casa de pé e o espírito bem vivo, é motivo de parabéns! Vivam os Ly.s.o.s.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Pensamentos...receios e anseios.

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Foto: Pôr-do-sol na praia da Falésia ou numa qualquer praia do nosso Mundo. A saudade que tal paisagem e ambiente suscita em mim... Tal como nesta imagem, assim se encontrava o meu estado de espírito. Calmo, sereno e inspirador.



Um ano depois.

.Hoje, ao fumar um cigarro ao fim do dia, à luz do sol que nos ilumina, tentei recordar ou supor o que faria eu por esta altura há um ano atrás… Estaria na praia com o meu dinamismo, limpando a areia, arrumando o material, atento à água e aos banhistas? Estaria aguardando que chegasse a hora para que, depois de fechar o posto de praia, me pudesse lançar no meu exercício diário que tanto me libertava ao final da jornada de trabalho? Estaria apenas contemplando a paisagem, planeando o futuro?
.Apercebi-me que passa um ano desde que a minha vida esbarrou numa dificuldade atroz e infinita. Enveredando por uma viela escura, sinuosa e imprevista. Um enorme receio do esquecimento vai crescendo dentro de mim. A verdade é que o confronto com a memória em busca do passado é um exercício sempre doloroso. Tomo consciência da minha nova realidade por oposição a uma realidade que todos nós conhecemos e temos como adquirida. Mas eu já não a conheço ou tendo a esquecer. Vejo que mesmo fazendo um esforço desmedido vai-me já sendo difícil recordar sensações tão naturais e banais como urinar, evacuar, correr…
.Convenço-me de que o meu corpo se tornou numa prisão da qual só a minha mente me poderá libertar. Para tal, duma força imensurável ela terá que se socorrer. Será que conseguirei? Será mesmo possível? Ou o futuro não passará de uma adaptação de forma amorfa e enganosa de um ser que se tornou incompleto?
.Vejo o final do meu longo internamento a aproximar-se e se sinto que o que havia para fazer está feito, preparando-me já para a próxima reabilitação, a social, sinto também que esta será forçosamente penosa. Imagino os momentos de solidão por que passarei em casa nos tempos próximos. Forçada ou involuntária, ela surgirá. Imagino as dificuldades ao sair do meu abrigo rumo a um exterior agora adverso e desconhecido. Tais pensamentos colocam-me num estado de consciência ao mesmo tempo superior e atemorizante. Superior ao ter uma espécie de capacidade de antevisão de longo prazo, e por isso mesmo atemorizante.
.Revejo todas as palavras encorajadoras, dadas por tantos que me querem tanto, e penso: “estarei à altura?”; “serei capaz?”; “ou desiludirei(-me)?”. Óbvio é, que só vivendo o saberei.
.Mas ele aperta na altura de deixar o ninho protegido, sabendo que se parte para o primeiro voo com a asa partida e em risco de cair no precipício... O desabafo, tal como um suspiro num momento de cansaço, permite retomar o fôlego, sem esquecer que esta nova realidade não pode ser esquecida!

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Passado, Presente e Futuro.

.O ANTES, o saudoso antes...


.Por vezes na vida de um ser humano existem momentos-chave capazes de definir e condicionar todo um futuro e trajecto de vida. Levamos uma vida ocupada, extremamente preocupada, ou demasiado leviana, muitas vezes à procura de um sentido para a nossa existência, concentrados em nós e no nosso, e trabalhamos, casamos, procriamos, ansiamos e sonhamos. Elaboramos projectos sobre o que faremos, o que diremos, para onde iremos, com quem iremos, no que investiremos para, algures e sem aviso, encontrarmos uma barreira extremamente bem demarcada com a qual colidimos. Inesquecível e traumatizante. Passa, invariavelmente a definir a nossa vida entre o que se é antes e o que se é depois. As aspirações, sonhos, planos, pensamentos, sensações, prioridades e padrões anteriores, tudo tende a diluir-se por entre as angústias e revoltas suscitadas por tal corte com o passado. Uma doença, a morte de alguém próximo, uma discussão, uma situação de violência, uma separação, uma falência, um acidente. Tudo pode servir de catalizador...
.E eis que a barreira se nos depara. E nos divide em dois. Marcando de tal forma o nosso psíquico, espírito ou físico que jamais se poderá voltar atrás... Dali em diante tudo será irreconhecivelmente diferente!
.Dizem que psicologicamente, um dos maiores desafios apresentados a uma pessoa que vivencia uma situação traumática assim, é conseguir discernir a ruptura e encará-la com aceitação. Tendo pois que olhar para trás e, se por um lado reconhecer o que perdeu como era e o que tinha, por outro, o que ganhou com o que passou a ser ou ter.





eu num jantar de primos em casa do meu primo Miguel nos meus tempos de estudante universitário, no Porto, algures em 2002 ou 2003. (da esq. para a dir. eu, o primo Nuno, o primo Miguel e o primo Rui). Os meus primos foram desde sempre para mim um suporte emocional e afectivo de inestimável valor!

.E acreditando que os meus amigos me conhecem como os conheço a eles. Que a minha família é parte integrante da minha pessoa tal como eu sou dela como um todo. Que dei (pelo menos) uma ínfima parte à sociedade do que ela me deu a mim. Fico com a tranquilizante sensação de que, pelo menos até aqui cumpri a minha parte de (razoavelmente - porque há que querer sempre mais) bom amigo, bom parente, bom cidadão.
.O que nada do que é exterior a mim sabe ou jamais compreenderá é a sensação de profunda perplexidade e injustiça que sinto por tal barreira me ter surgido na vida precisamente no momento em que eu melhor me encontrava.
.Quantos de vós sabem pelo que passei... Crises familiares, existênciais, de rumo, de orientação, de incerteza, de amores... Momentos altos como o céu e baixos, tão baixos que a dor e a desorientação provocavam alienação. Agruras e aventuras em que muitos de vós participaram ou que convosco participei . De uma coisa me posso orgulhar. Sendo por natureza uma pessoa independente e solitária, JAMAIS ESTIVE SÓ. Graças a vocês.
.Agora era um homem forte e decidido. Sem as ilusões e utopias de outros tempos, rendi-me a uma série de formalismos e convenções sociais a fim de perseguir os meus objectivos. Já havia assimilado inúmeras derrotas. E em Setembro de 2007 estava em boa forma física fruto de uma escolha por uma vida mais regrada desde a minha passagem pelo exército em 2006. Psícologicamente encontrava-me estabilizado, de mente limpa, focalizado na perseguição de algo que só a transposição de grandes sacrifícios me podia dar: chegar um dia a experimentar a carreira diplomática! Governamental ou Internacional. A minha formação universitária na àrea das Relações Internacionais (por mais que tenha sido acidental e expontânea como muito na minha vida) acabou por me despertar o desejo de poder vir a exercer diplomacia. Após falhar ingénuamente pela "porta principal", tentaria pela "porta das traseiras"... E o exército, ao qual tinha regresso marcado para 5 de Novembro de 2007 (um mês depois do acidente), era o primeiro passo rumo a uma estabilização profissional e financeira, com hipóteses de engrandecimento curricular e prossecução de estudos. Curta e dura, a primeira passagem por lá muito me influenciou e ensinou para a vida.
.Resumindo: sabia de onde vinha, onde estava e para onde queria ir. Pela primeira vez na vida.

eu (à dir.) e o Duque (à esq.) em Novembro de 2006 na EPA de Vendas Novas, aquando do meu juramento de bandeira. Uma cerimónia que me marcou imenso e que me fez sentir para sempre um pouco militar. Presenciada apenas pela minha sempre presente mãe e por dois amigos de Albufeira, muito especiais. Duque e Farú.

.Talvez o melhor Verão da minha vida...
.Era uma altura decisiva no meu percurso. Ao fracassar os objectivos da primeira passagem no exército, culminei uma fase que não mais queria repetir. Insegurança, desorientação e negativismo urgiam ser vencidos. E dei por mim numa enorme encruzilhada. Resignar-me a uma condição profissional medíocre, incerta e precária e consequente estado emocional titubeante. Ou arriscar, lutar e ambicionar algo mais sem ter medo de esgotar todas as possibilidades.
.Após iniciar o trabalho no Hotel Alfamar em Abril de 2007, e conseguir nova aprovação e ingresso no exército em Junho, passei um Verão em que talvez por não se ter passado nada de extraordinário, tenha sido tão marcadamente positivo. Sóbrio e ciente, cumpria as minhas funções de nadador-salvador e gozava os pormenores do dia-a-dia. O pôr-do-sol, o mar, a amizade. Equacionava e vislumbrava já, os meus objectivos mais imediatos. Sair de casa definitivamente rumo à minha vida. Talvez reatar uma relação antiga pendente. E enfrentar a vida de peito feito!

o Jonas, o Mor Marco e eu (da esq. para a dir.) no meu local de trabalho de 2007. Praia da falésia (Hotel Alfamar) final de Julho. O Jonas, meu amigo de confiança foi meu colega de universidade. Talvez o único amigo (com A grande) que terei feito por aquelas 4 paredes... Nesse verão por necessidade do Hotel, houve a oportunidade e convidei-o para vir trabalhar comigo. Fomos colegas de trabalho. O Mor Marco de férias pelo Reino dos Algarves é um dos meus Brothers da República dos Lysos onde vivi e cresci durante a minha carreira universitária.
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.No dia 30 de Setembro de 2007 pelas 8.30h da manhã rumava calmamente para o Hotel, vindo de Albufeira. Fazia um dos percursos habituais nas deslocações para o trabalho. A estrada Oura-Olhos d`Água.
.A manhã estava calma, com céu limpo depois de uma noite bem chovida. O piso já seco, desenrolava-se serenamente por baixo da minha Virago 250cc que havia comprado com o meu suor 4 meses antes. A paixão pelas motas existiu desde que com 19 anos tirei a carta de condução de motociclos. Nunca antes havia juntado condições para adquirir um veículo meu. Não eram as velocidades ou as acrobacias (que até fui desprezando com o tempo) que me atraiam. Era a condução. Eu em cima de um veículo motorizado em contacto directo com o meio envolvente.
.A certeza de encontrar uma praia já sem enchentes de veraneantes e sentimento do dever cumprido, bem como o epílogo das tarefas de desmontagem da praia, deixavam antever uns últimos 15 ou 20 dias de trabalho tranquilos, seguidos de uma pequena pausa de preparação para a nova etapa que começava a 5 de Novembro. Mal podia esperar!
.Quando saio da lomba de St. Eulália e entro na curta recta do Hotel Grand Real St. Eulália, apercebo-me de trânsito em sentido contrário. Cruzo-me com um carro, está outro nem 100 metros mais à frente na intenção de virar à esquerda e entrar para o Hotel, e está também à minha direita, na saliência da paragem do autocarro, uma máquina de limpeza de passeios a operar. São 3-4 segundos que distam desde esse ponto de entrada na recta até à entrada do Hotel, à velocidade de 60km/h que eu me deslocava. O suficiente para não ser visto pela condutora do veículo parado para entrar para o Hotel, que inicia a marcha, atravessando-se completamente na minha faixa de rodagem precisamente no momento de intercepção. Funcionou como uma parede.
.Embati em cheio de frente, minorado pelo reflexo de última hora que ao me fazer travar bruscamente me terá reduzido a velocidade do impacto em 10km/h. A sensação de ver o carro iniciar a marcha em cima de mim foi de um terror incrédulo. Porque se por um lado me assustei ao antever o que estava para acontecer, não queria acreditar como seria possível aquele carro estar a avançar. Mas aconteceu! E uma fracção de segundo depois eu esborrachava-me como uma mosca na parte da porta do passageiro.
.Parti o vidro do carro e fiz uma amolgadela na parte lateral inferior direita do carro com a parte frontal da minha mota, que ficou com todo o garfo da roda dianteira retraido para trás. Esta bateu e tombou para a traseira do carro, e este ficou imobilizado na perpendicular em relação à minha faixa de rodagem. Eu resvalei por cima do carro para cair imobilizado uns metros para lá do mesmo.
.Segundo as testemunhas fiquei em estado de choque. Pois eu julgava ter ficado inconsciente. Vai dar ao mesmo. Volto a mim alguns minutos depois quando o pessoal do INEM e da VMED estão à minha volta a aferir as minhas capacidades.
.Lembro-me de, com uma clareza cristalina, rapidamente ter pensado e raciocinado, após erguer um pouco a cabeça e ter visto esta sequência de imagens: o carro e a mota atrás, com uma pequena multidão a assistir ao aparato; o pessoal de socorro à minha volta a fazer o trabalho de sapa; e sentindo a dormência que sentia pelo corpo todo face à imobilidade das minhas pernas sem reacção; PEDRO, ACABOU. PERDESTE AS TUAS PERNAS!
.A Consciência...
.O que sentir? Revolta? Sim. Perplexidade, raiva? Claramente. Vingança, ódio? Não. Apesar da pessoa em questão apenas me ter enviado uma sms após 2 meses e, em Janeiro ter partido para França em busca dum futuro melhor. Apesar de se ter comportado de forma esquiva e incoerente nas primeiras semanas após o acidente. E apesar de ter tido apenas contactos directos com a minha mãe, 3 vezes por telefone em todo este tempo, e uma pessoal por iniciativa da minha mãe, aconselhada pelo advogado. Como se sentirá uma pessoa que, por manifesta negligência, falha e erro momentâneo, provoca tanto sofrimento a uma outra? Não terá a sua mágoa também? Não sentirá o espectro do perigo do tombo judicial e monetário a cair sobre os seus ombros? Claro que sim.
.Bastou convencer-me a mim próprio que não havia feito de propósito...

no Hospital São José em Lisboa, no dia 24 de Dezembro de 2007. (da esq. para a dir.) o Joca, a enfermeira Claúdia, o auxiliar Sr. Fernando e eu. Na Unidade Vertebro-Medular deste hospital fui acolhido após 1 dia nas urgências do hospital de Faro (sempre assente num plano rígido!). Aqui foi fundamental o trabalho de todos os profissionais de saúde para uma rápida consciencialização da minha situação real e o início da perpectivação do meu futuro.

.E adeus corpo são. Cheguei na 2a (01/10) de tarde e fui operado na 4a de manhã. Operação essa com o intuito de estabilizar a lesão vertebral através da fixação de material de osteossíntese formado por duas placas de 30cm cada, mais parafusos de fixação ao longo da coluna vertebral. Foi-me dito que a operação havia corrido bem, embora sendo muito delicada. Nos 15 dias seguintes sofri com muitas dificuldades respiratórias, fruto da lesão e agravadas pela anestesia da operação e por uma constipação que me acompanhava há já algum tempo.
.A medicação, à qual sempre fui céptico e resistente, passou a ser uma constante no meu dia-a-dia. Intra-venoso ou via oral, analgésicos, anti-inflamatórios, anti-bioticos, anti-espásticos, ansiolíticos, anti-depressivos, relaxantes musculares, anti-piréticos, anti-coagulantes, tonicó-relaxantes, etc, puseram-me a provar de tudo e, momentos houve em que vi que precisava mesmo de alguns deles.
.Diagnóstico: paraplegía ASIA A (American Spinal Cord Association). Ou seja, lesão completa. E se nos primeiros meses pós-lesão se torna algo precoce reconhecer o tipo de lesão, passando os grandes choques medulares e respectivos edemas, vão-se tornando evidentes as evidências. Com a fractura das vertebras dorsais 5 e 6, e consequente corte e esmagamento medular, o corpo passou a reger-se de forma autónoma e errática do peito para baixo. Ausência total de sensibilidade e capacidade motora. Compromisso profundo das funções metabólicas, imunitárias, de regulação de temperatura corporal, do aparelho vesícal, intestinal, reprodutor... A longa permanência numa tábua, aquando do resgate, fez-me também criar logo de imediato uma úlcera de pressão na zona sacro-ilíaca. Só após as primeiras semanas me apercebi da gravidade da situação com os enfermeiros e os cirurgiões a fazerem-me visitas regulares para me desbridarem a ferida (corte de tecido morto com bisturi e material decapante). Tal deveu-se à conjugação de diversos factores novos: falta de sensibilidade, déficite irrigatório e de aporte sanguínio e diminuição da eficiência do sistema imunitário. Ao fim de um mês, e com um buraco onde cabia um punho, estava pronto para a operação. Essa foi um sucesso não sendo preciso mais retalhos ou remendos e apresentando uma (relativamente) rápida cicatrização.
.À rápida assimilação que se impõe, exige-se uma rápida aprendizagem de toda uma nova forma de vida. E a escola começou ali mesmo naquela unidade de agudos do Hospital São José em Lisboa.
.Quando cheguei, fui internado num quarto com mais 3. Dois jovens tetraplégicos e um senhor de meia idade com uma paraplegía incompleta. Esse senhor, acabei por vê-lo dar uns passos ao fim de um mês. Os outros dois fizeram-me compreender o valor dos membros superiores! Com 4 meses de internamento conheci alguns doentes. Uns mais rotineiros, outros em situações traumáticas e agudas como eu. Com dois estabeleci ligação especial. Com o Paulo Candeias da Fuzeta, com quem continuo a manter contacto. E com o Joca de Cabo Verde, onde ainda irei um dia comer uns camarões acompanhado do seu dentista, o Dr. Bernardo Carneiro (meu amigo pessoal) que num gesto de boa-vontade incomparável usava as visitas que me fazia (vindo do Algarve) para desenhar e executar uma prótese dentária para o Joca!
.O Joca envolvido numa rixa em Cabo Verde viu-se tetraplégico no seu país. Encostado numa maca ao sabor das moscas num qualquer hospital da cidade da Praia, foi ao abrigo de um acordo inter-estatal, enviado 3 meses depois para resolver 3 escaras (que fariam a minha parecer uma escarinha) que ameaçavam tirar-lhe a vida. Pai de 2 filhos, na sua permanência de 1 ano em Portugal tudo o que viu do nosso país foi uma ambulância do aeroporto de Lisboa para o hospital, o tecto do quarto do hospital, e uma ambulância de regresso ao aeroporto no fim de todo o processo.
.Se eu contava com a família e os amigos, estes não só não me desiludiram, como não pararam de me surpreender. A familia LYSA, que sempre presente, me deu novos amigos, pois além dos meus brothers da minha geração que faziam centenas de quilómetros para me ver, contei com muitos, assiduamente, que mal conhecia. Poderiamos ser da mesma irmandade, mas era eu quem, no fundo ainda não tinha visto na plenitude o que é ser um LYSO!! "Para que serve a família?", perguntavam-me eles quando me visitavam.
.E os meus amigos de sempre do Algarve, que também fazendo centenas de quilómetros, me vinham ver sempre com a boa disposição e o ânimo que eu tanto necessitava. E vieram às dezenas. Chegavam-me a encher o quarto. Visitavam-me a mim e aos meus colegas de quarto. Era um fartote!!
.E os meus amigos de Lisboa. A Joana e o Jorge sempre à minha cabeceira. Muito falamos e muito me incutiram eles... O João e a Albina. Neles ganhei uns tios.
.E os inúmeros conhecidos que apareciam para dar uma força e para me fazerem acreditar que estava nos seus pensamentos.
.Pensava muitas vezes "e quem não tem nada disto?", "e se eu não tivesse nada disto?". Mas felizmente tive e tenho. E é como um poço de energia. Como um contrato tácito que me faz não poder desistir...

(apartir da ponta esq. da mesa) o Mor Augusto, eu, o Antero, o Álvaro, o Vítor, o João Rosa, e o Capela, mais o Paixão Melo (a tirar a foto). Os Lysos em peso em Alcoitão. Como até hoje, estas gerações mais antigas de Lysos não mais me largaram a mão! Neste dia aproveitaram a vinda do meu contemporâneo Capela para me visitar e juntaram-se. Aproveitaram para se darem a conhecer à médica fisiátra que me acompanhava...

.Alcoitão foi o sítio onde sofri o maior choque psicológico destes últimos meses.
.Chegar e ver tantas cadeiras-de-rodas a operar...sentir que era mais uma...observar as caras, umas conformadas, acomodadas, ambientadas, outras de puro sofrimento, foi difícil. Por outro lado, enquanto que ter uma perda fecal numa cama dum hospital já é duro e frustrante, tê-la em plena actividade física ou em andamento na cadeira é ainda pior. Penso que já sabia alguma teoria, mas ali vi a prática em toda a sua plenitude e complexidade. E em massa!
.Depressa me apercebi da segunda sorte que havia tido dentro do azar. É que por oposição à grande maioria dos sofredores de doenças, acidentes, crimes ou o que for, eu pertencia à minoria algo protegida por uma companhia de seguros. Após todo o imbroglio legal em que o meu caso foi caindo, a seguradora passou o termo de responsabilidade a permitir a minha ida para Alcoitão, abrindo um precedente para o futuro relativo a vários tipos de cuidados que um acidentado de trabalho possa precisar e tem por direito.
.De Alcoitão tirei várias ilações e conclusões. Relativas à condição humana, ao estado da Nação e as condições de saúde disponíveis no nosso país, aos atributos, limitações e predisposições do trabalhador português... Dei por mim a criticar muita coisa que via estar mal à minha volta, sem no entanto me aperceber que a positividade teria que vir de dentro de mim. Que só isso bastaria para confrontar as dificuldades próprias de um sistema imperfeito. Critiquei médicos frios e distantes, enfermeiros e auxiliares em número insuficiente, pouca carga de trabalho para os doentes, horários castrantes e pouco voluntarismo por parte de psicólogos e assistentes sociais que muito poderiam fazer para precaver e melhorar as condições de vida futura dos doentes. A revolta estava na minha cabeça. Mas que mais se pode pedir a uma instituição que apesar de tutelada pela Santa Casa vive nos dias de hoje num mercado de saúde globalizado, e cada vez com mais concorrência?! Uma instituição que vê centenas de doentes internados por ano com problemas tão díspares como traumatismos cranio-encefálicos, avc`s, doenças degenerativas do sistema nervoso central, cancros de medula, mielites, inflamações e infecções medulares, paraplegias e tetraplegias, amputados, bi-amputados, doenças e má-formações congénitas, e mais, muito mais...
.O escape foi mais uma vez a protecção dos meus amigos. Sem grandes romarias devido à impossibilidade das circunstâncias, apareciam sempre nas alturas certas. Quando estava bem, para que com eles pudesse partilhar a alegria, e quando estava mal, para me tirarem de poças, e às vezes fossas em que me via atular. E telefonavam, e telefonavam.
.Foi ali que meses depois voltei à realidade do mundo exterior. Fui ao CascaisShoping com a minha mãe e a Joana, fui a dois almoços Lysos com o Augusto, fui passear à Eiriceira com o Pedro, a São e os miudos. E foi graças aos meus amigos que, com a sua motivação e dedicação, me convenci a sair para pernoitar fora pela primeira vez. Ao fim de 6 meses voltava a estar entregue à minha sorte sem enfermeiros, auxiliares ou médicos para aplacarem as minhas perdas, as minhas dores ou as minhas disreflexias se as tivesse, as minhas transferências e os meus posicionamentos. A gota de água foi quando naquela noite a minha amiga Joana, cheia de força me olha nos olhos e pergunta "há quanto tempo já não sais?", "não falavas estar farto de camas?", "e que assim que viesses para Alcoitão te irias soltar e aproveitar a possibilidade de sair?", "porque te rendes a coisas que te acompanharão para toda a vida e com as quais terás sempre de lidar?", "quanto mais cedo mais depressa te habituarás", "se não hoje, quando?"... E saí dali nessa noite acompanhado do grande Jorge Morgado. Era o 25 de Abril de 2008. Nessa noite libertei-me de alguns demónios que me assolavam o pensamento.
.Os do Algarve continuaram a vir. Os do norte igual. Os Lysos de Lisboa sempre presentes. E o contrato com a vida continua em vigor...
.No entanto, alí, sinto que falhei com os meus colegas de quarto, com os meus colegas de internamento e com os profissionais que mais de perto lidaram comigo. Não me dei a conhecer. Não quis conhecer. O meu egoísmo não me deixou ir mais além do meu sofrimento.
.Mas algo me ficou por perceber relativo ao funcionamento daquele Centro... O comportamento do corpo médico, a renitência e resistência relativos à discussão e abordagem de novos métodos e terapeuticas, o financiamento (ou a falta dele) por parte de tão rica instituição como a Santa Casa da Misericórdia, etc, etc...



.O PRESENTE...e assim há que viver.
----------------------------------------------------------------------------------.Dou por mim nesta situação e por mais que queira crer que tudo não passa de um sonho do qual despertarei na minha cama do Hotel Alfamar para mais um dia de trabalho, teimo em não acordar...
.Estou agora internado no novo Centro de Medicina e Reabilitação do Sul em São Brás de Alportel, para o qual pedi transferência à companhia de seguros de trabalho, a entidade que se tem responsabilizado e terá que continuar a responsabilizar-se por todas as despesas médicas, clínicas, terapêuticas, de ajudas técnicas (cadeiras e demais aparelhos indispensáveis), e ajudas às adaptações arquitectónicas a realizar na habitação do trabalhador que adquire uma incapacidade parcial ou total a nível permanente. Claro que todas estas ajudas previstas por lei têm as suas limitações. Sendo de qualquer forma, uma situação totalmente diferente de ficar desamparado ao abrigo da Segurança Social... Sim, porque o facto de circular em direcção ao local de trabalho por um percurso habitual e a uma hora que precedia o horário normal de trabalho, transformou o acidente não só num caso de direito cível e penal (a partir do momento que surge uma queixa-crime), mas também num caso de direito laboral.
.Este novo Centro gerido pelo Grupo Português de Saúde (BPN) surge de uma parceria público-privada com a Administração Regional de Saúde, ocupando as instalações do antigo sanatório com novas ampliações, e surge na tentativa governamental de expandir a rede nacional de cuidados de saúde na área da reabilitação, que contava até agora somente com dois Centros específicos para esta função além dos diversos hospitais com pequenas valências nesta área. O da Tocha (público) e o de Alcoitão (privado - Santa Casa da Misericórdia).
.Obedecendo a novos conceitos e trabalhando sob métodos diferentes, este Centro, encabeçado por uma directora clínica extremamente competente e voluntariosa e uma equipa médica muito disponível e capaz, compreende ainda um grupo de enfermeiros e terapeutas muito jovens, sem vícios profissionais, com vontade de trabalhar e de ajudar. O lado humano é de facto uma grande mais valia, porque em fases mais agudas, este tipo de patologias necessita tanto de medicina física e técnicas de reabilitação como de carinho e compreensão! É um Centro pequeno, familiar e recente, com vontade de mostrar resultados. A título pessoal tenho muito que agradecer a estes profissionais pelo bem que me acolheram e pelo interesse e carinho que têm demonstrado.
.Não que tivesse sido mal tratado onde quer que tenha passado, mas aqui tenho-me sentido bem, acarinhado e alvo de forte investimento.
.É também salutar como, não dispondo de uma máquina monstruosa e enraizada como Alcoitão, se consegue aqui estar envolvido num ambiente calmo, confiante e tranquilo. Vive-se também num regime liberal e compreensivo sem recurso a regras rígidas ao estilo prisional, que em nada favorecem o bem-estar psíquico e psicológico dos internados.
.O meu processo de reabilitação caminha para um términus. À medida que se vão regularizando os mecanismos físicos e fisiológicos como os treinos intestinais e vesicais, que me tornarão dependente para toda a vida de uma panóplia de instrumentos farmaceuticos como algálias, sondas de esvaziamento, fraldas, supositórios, medicações, etc, bem como à medida que se vão definindo as ajudas técnicas necessárias, e se aguarda uma resposta para breve, por parte da companhia relativa às obras em minha casa. Uma vez que a minha lesão é grave e completa, não se esperam deste tipo de reabilitações resultados milagrosos. Pelo contrário, treinam-se as pessoas para serem o mais funcionais e autónomas possível a viverem numa cadeira-de-rodas. E esse objectivo no meu caso está quase alcançado. Ou pelo menos, terá que ser testado. E só o será quando eu voltar a viver longe do apoio permanente de técnicos de saúde.

Já em casa, num dos fins-de-semana que lá tenho passado. Numa cadeira-de-banho emprestada pelo Centro, tomo banho num duche exterior de água fria porque é Verão. Se as obras demorarem e se arrastarem pelo Inverno não me resta alternativa senão retroceder no tempo e voltar ao tempo em que estava acamado e tomava banho "à gato"!

.As limitações...
.É do senso comum constatar a falta da capacidade locomotora num paraplégico ou num tetrapégico. Mas o que significa mesmo essa falta de capacidade? Significa uma prisão! Uma prisão interna, física e psicologica, dentro do próprio corpo da pessoa, que passa a funcionar como um enorme colete de forças que estrangula a vontade própria da pessoa enquanto ser humano. E uma prisão externa face às inúmeras limitações arquitectónicas do meio envolvente. E não nos iludamos, não são só as limitações impostas pelo homem ao homem através da falta de rampas no acesso a edifícios, passeios, através da existência de calçada, bonita mas péssima para as cadeiras-de-rodas, multibancos, balcões, comboios, autocarros inacessíveis a deficientes físicos, que os fazem auto excluírem-se. São também as próprias barreiras naturais como vales, montes, cursos de água, areia, calhaus, que não dão a oportunidade de serem transpostos por cadeiras-de-rodas. E pode-se pensar, "tudo isso é ultrapassável com ajuda de amigos, elevadores, veículos especializados, boa-vontade, preserverança". Claro que sim. Mas o que acarreta essa DEPENDÊNCIA em termos psicológicos para o deficiênte?
.Mas é assim que tem que ser. E é desta forma que se tem que lutar...
.As minhas limitações vão muito para além da falta de mobilidade contornada por uns pares de rodas.
-Estão no equilibrio. Ao lesionar uma zona alta da coluna fiquei com um controlo nulo de todos os grupos musculares abaixo do peito, o que faz com que, desamparado das costas, o meu corpo funcione como um pêndulo, ou melhor, como algo que pesa cem quilos assente em cima de algo que pesa dez. Ou como tentar equilibrar uma bola de ténis com um palito. Como é de calcular, qualquer tarefa da vida diária que implique o uso dos braços sem apoio nas costas, é uma aventura. Apanhar algo do chão, chegar ao telemóvel, alcançar algo de uma prateleira, lavar a cara num lavatório menos adaptado ou, sentar-me na cama para me vestir.
-Estão também na sensibilidade. Ao perder a sensibilidade total da zona da lesão para baixo, não sinto se me queimarem com um esqueiro, não sinto a picadela de um mosquito, não sinto se a água está quente ou fria, nem uma carícia, um beijo...
-Estão a nível metabólico. Reduzindo o sistema imunitário e a circulação sanguínea abaixo do nível da lesão, qualquer ferida, lesão ou complicação que surja demora muito mais a curar e sempre com riscos bem reais de complicações.
-As limitações ao nível das necessidades fisiológicas. Que são feitas sem aviso, acarretando uma grande disciplina relativa a tudo o que se ingere ou come e em relação aos horários em que se procura autonomizar e educar o organismo em relação a essas necessidades. E todas as complicações que isso acarreta como fraca mutilidade intestinal, infecções urinárias, renais, etc.
-Os espasmos musculares, a espasticidade dos membros e a manifestação de clónus. São uma limitação quase invisível, uma vez que muitas vezes não são visiveis nem perceptiveis. Mas são incómodos e dolorosos. Como choques eléctricos ou tornando o corpo rijo como uma tábua, estas manifestações comprometem na altura de passar da cadeira para um carro ou da cadeira para uma cama. Perturbam o sono. Perturbam as diversas actividades da vida diária.
-Limitações no sono. Há 10 meses que não sei o que é ter uma noite calma de um sono longo e profundo. Se não são os espasmos, é a própria auto-disciplina que impõe mudanças frequentes de decúbito a fim de prevenir complicações de pele...
-As limitações a título reprodutivo. Psicológicas ao nível da auto-imagem, auto-estima e auto-confiança...
.Tudo junto: uma grande LIMITAÇÃO!
.Não mais posso usar da espontaneidade que tanto gostava. Agora já não é "é para ir, então vamos", agora é "é para ir, então deixa-me pensar e planear um sem número de questões e ver se posso mesmo ir"... Não mais posso usar a liberdade como usava. Se simplesmente para me deslocar do ponto A para o ponto B passei a precisar de ajuda...


.E no entanto tenho a plena consciência do que, apesar de tudo, ainda tenho a meu favor. Uma habitação condigna e com hipóteses de ser adaptada. Apoio familiar e muitos amigos atentos e interessados. Sei que há quem nada disto tenha...

A minha cicatriz resultante da escara na zona sagrada.

A cicatriz resultante da operação de estabilização dorsal. De todas as que ganhei (no nariz, na pálpebra, no pescoço, na cabeça) este "fecho eclaire" bate, sem dúvida as outras aos pontos!
.De resto...
.O dia-a-dia tem-se passado no centro. O trabalho de ginásio com o objectivo de melhorar a capacidade corporal para as actividades funcionais. As visitas esporádicas ao psicólogo para agradáveis conversas que trazem sempre uma nova perspectiva sobre a forma como vou vendo a vida. O tempo que se passa pela enfermaria em contacto com os outros doentes. E mais recentemente, as idas à piscina, que após contratempos com uma pequena escara no calcanhar esquerdo e a espasticidade da bexiga que me prendeu novamente à álgalia por mais 2 meses, tornaram-se realidade. Além dos dados adquiridos ouvidos em conversas de corredor ao longo de todos estes meses, de que o paraplégico, tetraplégico, hemiplégico ou hemiparético sente uma enorme leveza e profunda descontracção em toda a zona do corpo não controlada quer durante a presença no meio aquático, quer no imediato a seguir, a minha mais bem-vinda constatação foi que, POSSO NADAR! A observação que havia feito a algumas pessoas em situações semelhantes à minha deixava-me reticente. À semelhança de conversas que havia tido com o professor de natação livre de Alcoitão, especializado em natação adaptada. Tudo iria depender da densidade óssea, grau e tipo de espasticidade, controlo anaeróbio... O que constato ao fim de uns pequenos ensaios é que não sei como, nem quando, nem onde, mas um dos desejos que trago desde o início da minha lesão poder-se-á tornar realidade. Vir a NADAR! Como um deficiênte é claro, mas a nadar!
.Mentiria se dissesse que o meu dia-a-dia tem sido feliz ou normal. Ver todo o ajuste e adaptação feito pelos meus pais em relação à situação, o seu sofrimento, faz-me sentir muitas vezes como um peso que se atrapalha a si próprio e aos outros.
.Vou-me entretendo com o processo legal que deverá conhecer desenvolvimentos substânciais logo que receba uma alta clínica e, por conseguinte, comece a ser vistoriado por juntas médicas. Daí sairá um grau de incapacidade que será fundamental para a definição de várias questões futuras como a possível aposentação ou o averbamento da carta de condução para o estatuto de deficiente. O processo de trabalho decorrerá de forma mais-ou-menos pacífica, julgo eu. Já o processo cível e penal, dado o afastamento da seguradora da outra parte alegando irregularidades na apólice, e pela sua complexidade e morosidade habitual, presumo que se arrastará no tempo.
.Vou-me entretendo também com o processo médico. Procurando investigar e documentar-me o mais possível para poder abordar os médicos, dissipar dúvidas e perceber cada vez mais os contornos do meu problema.
.O que tem sido descorado é o planeamento do amanhã, ao nível pessoal e profissional. Mas tanto me ocupam as questões de hoje, que o amanhã me parece tão longinquo... A verdade, é também que nestas circunstâncias, planos a longo prazo não parecem muito plausíveis.
.Vou passando os dias num misto alternado de cinzentismo sem perspectivas nem motivação, com momentos em que acredito poder ainda ser feliz e funcional. Como me disse a minha amiga Sofia Alegre um dia, "espero ver-te, se não a andar, a ergueres-te novamente como um homem!"...
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O FUTURO, a quem pertence...
.O futuro só a nós pertence. Continuamos a ser os donos das nossas escolhas. Por mais barreiras fracturantes que se nos deparem, dificuldades, obstáculos e adversidades, seremos sempre nós a determos uma palavra final sobre o que fazermos com as nossas escolhas. Humildade, sinceridade, justeza, amizade, lealdade, fidelidade, transparência, altruísmo, espírito de sacríficio, de luta, de trabalho, nobreza de pensamento e de sentimento, serenidade... Seremos nós a escolher viver assim, com princípios, ou não.
.Tornei-me descrente no futuro da humanidade. Com o tempo, e toda a observação social, relacional e política que fui fazendo, sentimentos de pessimismo realista ou realismo derrotista foram brotando de mim. Será agora altura de ver o mundo com outros olhos?
.Não sei o que farei nem o que serei no futuro. Quero ser válido e produtivo. Pelo menos para ajudar quem me ajuda a mim. Essa dívida trago-a comigo.
.Gostava de um dia ter a minha família. Ser pai e ver alguém crescer.
.Gostava de um dia morrer, sem antes olhar ao meu redor e admitir para mim próprio que abandonava um mundo melhor do que o que havia encontrado.
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.A minha cura...
.Continuo céptico e realista o suficiente para crer que não se adivinha fácil. Pelo menos de uma forma idílica como muitos acreditam. Dada a complexidade da situação, parece-me que haverá dois caminhos. O da solução e o do remedeio.
.Pelo segundo, acredito que técnicas biónicas, próteses e ortóteses biomecanicas virão, a médio prazo, minorar os sofrimentos e limitações de quem sofre de patologias vertebro-medulares. Como alías já se investiga com resultados positivos, especialmente em Israel, Japão e nos EUA. Estas poderão auxiliar a marcha, o control de esfinctéres, etc.
.Quanto à solução, prevejo-a muito longínqua. Em primeiro, no campo económico, a contrariar os interesses de governos, seguradoras e particulares que desejam abreviar custas e despesas avultadas e vitalícias com pessoas portadoras de deficiências derivadas de problemas medulares, temos os interesses de governos e multi-nacionais fabricantes de toda uma panóplia inimaginável de produtos usados por estes milhões de pessoas. Em segundo, sendo medicamente um grande desafio, será natural que quando uma solução surgir por regeneração celular, implante celular, implantes de outra ordem, transplantes ou o que for, leve muito tempo de verificação experimental até se considerar plenamente viável, como qualquer avanço médico/ciêntifico. Tardando depois ainda mais a generalização dos procedimentos a todo o mundo. Quer por capacidades técnicas e compatibilidades físicas com o tratamento, quer pelos volumes das carteiras ou força das influências... De qualquer forma, não está no horizonte. E experiências já iniciadas em todo o mundo, e em Portugal, nomeadamente no campo das intervenções com culturas de celulas estaminais e limpezas e remoções cirúrgicas, têm tido resultados tão dúbios e incipientes, que indicia que o caminho não deverá ser por aí...
.Por tudo isto, é bom não criar expectativas demasiado altas, ciente que qualquer melhoria é, e será muito boa.
.Sou paraplégico e assim continuarei...

Consulta de Urologia

A bexiga no doente vertebro-medular:

.Para pessoas com lesão medular a bexiga torna-se uma das maiores batalhas a travar. Trabalhando de forma completamente reflexa, principalmente nas lesões mais graves, ditas completas, ela funciona de forma independente face ao sistema nervoso central. Dando-se um corte na passagem informativa veiculada pela medula, gestora de “inputs” e “outputs” captados por todo o sistema nervoso periférico rumo ao cérebro, este deixa de comandar ou de simplesmente deter qualquer tipo de controlo sobre a bexiga. Esta é nada mais que um conjunto de músculos que formam como que uma bolsa elástica que armazena a urina proveniente, e derradeiramente filtrada pelos rins.
.Não será difícil imaginar a aflição, desespero e impotência para um ser humano adulto, ver-se perante o funcionamento de uma bexiga neurogénica funcionando de forma reflexa, sobre a qual não detém qualquer domínio. Isto porque, ao funcionar de forma reflexa, ela enche e esvazia sem aviso ou sensação, ou, pelo contrário, enche e não esvazia, podendo sujeitar a urina a um refluxo rumo aos rins que quase sempre é drástica para o organismo. Esta bexiga neurogénica, “paralisada”, acarreta toda uma nova habituação e treino por parte da pessoa sua portadora, no sentido da aquisição de alguma maior qualidade de vida e regularidade funcional.
.Desde logo o seu esvaziamento. Passa a ser assim chamada toda e qualquer forma de drenagem vesical. Usando dispositivos de várias ordens e tipos, o lesionado medular passa a conviver diariamente com uma série de instrumentos estranhos ao corpo, invasivos e dispendiosos que, correctamente manuseados e aplicados passam a ser um apêndice do aparelho urinário do doente medular.


O contexto:


.Depois de 5 meses permanentemente algaliado em drenagem livre, foi já em Alcoitão que realizei um estudo urodinâmico que mostrou a capacidade da minha bexiga e a ausência de factores que obrigassem à continuidade da algaliação permanente. De imediato me foi dada instrução para começar as algaliações intermitentes. Embora já tivesse ouvido na teoria, no Hospital São José, só agora se proporcionava o avanço para a nova técnica. Não foi muito excitante. Por um lado, todo um novo ritual começava, com sondas, urinóis, lubrificantes, limpezas, etc, por outro, acabava-se a liberdade de ingestão de líquidos. Porque, sem aviso nem sintomas, há que respeitar certos princípios e horários, para que haja a liberdade de realizar esvaziamentos intervalados por algumas horas. É óbvio que conforme um organismo nestas circunstâncias despende muito menos energia, requerendo menos alimentos, também requer menos líquidos. Mas estar a toda a hora preocupado a fazer contas ao que se bebe, sem conseguir perceber ao certo as necessidades e gastos hídricos para se poder estabelecer um certo tipo de padrão, não é fácil. E tudo debaixo do espectro das perdas…
.Depois de durante a permanência em Alcoitão ter feito dois períodos de um mês neste regime (algaliações intermitentes durante o dia e permanente durante a noite) somente interrompidos por infecções urinárias graves, transferi-me para São Brás debaixo desse regime.
.Cheguei a São Brás rotinado com a técnica dos esvaziamentos.
.Após sofrer várias infecções urinárias desde o acidente, umas mais outras menos graves, sendo uma delas, ocorrida em Alcoitão, muito grave, uma vez que além do trato urinário me atacou o trato respiratório, provocando febres altas, espasticidade brutal, expectoração com sangue, princípios de anemia e pneumonia e um período de cama de cerca de 2 semanas, estava já convencido e preparado para prosseguir com o método das algaliações intermitentes, que de todos, é aquele que menos sugere o perigo de infecção.
.Foi com estupefacção que após uns dias em São Brás, numa mera algaliação que estou a preparar para me fazer a mim próprio, me deparo com uma dificuldade anormal em ultrapassar o esfíncter (um dos músculos com “efeito rolha” no funcionamento da bexiga). Nas vezes seguintes essa dificuldade traduziu-se em impossibilidade e quando dei conta já não conseguia fazer algaliações, tal como tinha perdas ao tentar fazê-las! Há medida que se introduziam as sondas e estas entravam em contacto com um esfíncter super contraído, os movimentos persistentes funcionavam como estimulo e a urina começava a sair fora das sondas.
.Claro está que, não me conhecendo, os médicos e enfermeiros daqui do Centro poderão ter pensado que seria eu que não executava bem a técnica. Mas depois de um e outro, e outro, chegou-se à conclusão de que algo estava mal. Não era, de todo viável, ter perdas de cada vez que fazia um esvaziamento, pelo que me vi forçado ao regresso ao uso da algália em drenagem livre.
.Nova infecção foi diagnosticada e medicação iniciada. De qualquer forma, nem eu, nem a maioria do pessoal parecia convencida que o problema se devesse, pelo menos somente, a infecção bacteriológica.
.Imponham-se novos exames. Para começar, o estudo urodinâmico. Após manifesta impossibilidade na primeira tentativa, em que duas médicas, dois enfermeiros e eu próprio, não fomos capazes de introduzir as sondas próprias do aparelho de urodinâmica, foi-me dada medicação específica para a bexiga e o período de algaliação teve que continuar. A conclusão a que se chegou, a bexiga havia se tornado, também ela, extremamente espástica e reactiva!
.Umas semanas depois nova tentativa foi feita. Agora, já na presença de um urologista, e com a medicação certamente a fazer os efeitos devidos, com alguma dificuldade, conseguiu-se realizar quer o estudo, quer uma ecografia. A bexiga havia perdido alguma capacidade desde final de Fevereiro (aquando do primeiro estudo em Alcoitão) e encontrava-se de facto, sujeita a grandes pressões quando certos volumes eram ultrapassados.
.Um dos factos a realçar nesta história é que, por esta altura a equipa médica do CMR Sul já estaria pronta para avançar com uma táctica que me permitisse regressar ao regime preferível das algaliações intermitentes. Mas acedendo a uma vontade por mim expressa de recorrer a um urologista especialista em bexigas neurogénicas, o doutor Paulo Vale, aproveitando ter a companhia de seguros “por trás”, preservaram a situação como estava e rapidamente me endereçaram a uma consulta a Lisboa.
.O meu interesse prendia-se não só com a resolução do problema em questão, mas também, com dúvidas quanto à fertilidade e uma possível colheita de espermatozóides, assim como com a curiosidade em saber mais sobre o neuro-estimulador de controlo de esfíncteres. Aparelho esse aplicado e implantado em Portugal apenas pelo referido médico.
.Havia tomado contacto com este aparelho ainda em São José, e depois de uma enorme relutância em se falar sobre o assunto em Alcoitão, encontrava agora uma oportunidade. Este aparelho, consiste, em termos gerais, num implante que promete fazer as vezes de supositórios, algálias e afins. Através do receptor de ondas eléctricas implantado na zona lombar e com os fios eléctricos que dele saem e vão acabar nuns pequenos eléctrodos, são dadas descargas eléctricas através de um pequeno comando exterior com botões, que vão, por sua vez, provocar o relaxamento dos esfíncteres, quer vesical, quer rectal. Sendo apenas aplicado em casos de lesões completas, eu era um candidato a candidato. Não sabendo ainda pormenores como desejava, à partida, dois grandes contras serão sempre, o preço e, principalmente, o facto de que estes eléctrodos vão substituir as terminações nervosas que emanam da medula na zona das vértebras sacro, tornando este processo, pelo menos por agora, irreversível. Este corte dá-se para que bexiga e intestinos deixem de receber qualquer tipo de estímulo e reacção que não a vinda do aparelho. Para que ambos os esfíncteres funcionem somente à ordem do aparelho.


A consulta:


.Custando 90 euros a consulta mais 550 euros o transporte de ambulância, dia 25 de Julho lá vou eu. Acompanhado de um enfermeiro do Centro e conduzido por dois bombeiros, chegamos à hora prevista.
.A consulta acaba por ser um pouco decepcionante. Como todos sabemos é já muito difícil nos tempos que correm, apanharmos médicos que realmente tenham tempo e vontade de nos ouvir e que se preocupem verdadeiramente com o doente. Neste caso aconteceu a situação de me dirigir a um médico de renome, muito concorrido e com a agenda cheia. A consulta durou 25 minutos.
.De forma muito pronta, após observar os exames e as cartas enviadas pelos colegas do Centro, concluiu e sugeriu que passasse a usar Instilagel (um gel anestésico e lubrificante) de cada vez que fizesse uma algaliação. Claro que sem me tocar, acabei por ter que questionar “mas doutor, será que funcionará?!”, ao que me respondeu de forma convicta e altiva “se funciona com todos, também funcionará com o Pedro”…
.O assunto da fertilidade e uma possível biopsia para crio-preservação foi rapidamente refutado na sua opinião uma vez que, querendo avançar para uma paternidade, então, na altura, exames e colheitas se fariam de forma mais “fresca”…
.Assim que abordo a questão do neuro-estimulador, a conversa muda de teor. Sou novo, estou a ser custeado por uma seguradora, sou candidato a candidato! No entanto, pormenores corriqueiros e dúvidas simples sobre o funcionamento do sistema, não me são explicadas porque “em vez de lhe estar com conversa de médico que não vai perceber nada, dou-lhe o contacto de dois ou três dos meus doentes, que sei que não se importam, e o Pedro esclarece as dúvidas que tiver”. Muito bem, o problema foi que ali (no Hospital CUF Descobertas) não tinha os ditos contactos.
.Este doutor executou até 2005 52 implantes em Portugal. Parou por altura do pico das experiências com células estaminais do doutor Carlos Lima na expectativa de ver o que daria. Constatando-se que o caminho não será por ali, está, agora, disposto a retomar a técnica. Disse-me ter uma taxa de sucesso na ordem dos 80%. Falou-me de dois ou três casos que correram mal, mas assegurou-me que os seus doentes falariam por si!
.A sua sugestão foi que voltasse em Setembro para começar a realizar uma série de exames pela sua mão, que me poderiam passar da situação de candidato a candidato, a verdadeiro candidato.
.Claro que o rescaldo desta consulta, a quente, foi negativo. Só uns dias depois comecei a constatar que não só estava certo como sabia do que falava. Quanto às algaliações, fruto dos efeitos da medicação já com cerca de dois meses, mais o tal Instilagel, voltei a conseguir realizá-las. Quanto aos demais assuntos, seria exagerado pensar que em meia hora se conseguissem esclarecer ou obter estratégias claras.
.A questão da bexiga “indomável” e respectivas algaliações ficou, por hora, resolvida. Já das constantes e recorrentes infecções urinárias, nem ele nem ninguém me poderá livrar…
.Os restantes assuntos ficarão para próximas oportunidades.


O melhor de tudo:


.Tendo sabido da marcação da consulta com três dias de antecedência, não deu para grandes preparativos. Além do mais, era ir e vir. Foi, por isso, com grande surpresa e entusiasmo que ao desembarcar da ambulância perto da entrada do Hospital, constato a presença dos meus amigos Augusto (Mor dos Lysos), João Duarte (meu tio emprestado) e a Joana (amiga de longa data), que me esperavam para grande surpresa minha. Sem saber, a minha mãe na certeza de que tais pessoas fariam gosto em me ver, dois meses depois da minha saída da sua zona, Lisboa, avisou-os de véspera via telefone.
.Suscitou em mim uma confiança e regozijo enormes por ver aquelas três pessoas à minha espera de braços abertos!

Arraial/Convívio na E.S. de Albufeira a 27/06/2008


A AMIZADE!

.No dia 27 de Junho de 2008 estava programado, ao que julgava, um jantar de amigos. Em conversa com o meu "Bruou" João Pedro e com o Cajó, entre outros, que desde que cheguei a São Brás fizeram questão de me visitar, apoiar e inteirar das minhas necessidades, havia ficado apalavrado um jantar entre o nosso grupo de amigos. Uma vez que cá estava, era Verão e havia disponibilidade do pessoal, impunha-se um encontro com a malta.
.Mas nas últimas conversas que tive com eles, começaram a perguntar-me se precisava de alguma coisa ou quais as minhas necessidades materiais prementes. À semelhança de reptos lançados, já em São José, pela minha família Lysa e em última instância, os desabafos feitos pela minha mãe, me dizendo que se tivesse que vender a casa para me conseguir levar a Cuba ou para o que fosse, que o faria, eram conversas, insinuações e sugestões que me causavam desconforto.
.Quando, logo em Novembro, os meus colegas de trabalho do Hotel Alfamar, numa prova de simpatia e lembrança sem igual, me presentearam com um cheque chorudo, à semelhança de outras pessoas que me visitavam no hospital e me iam dando dinheiro para que dele dispusesse da forma que entendesse e necessitasse no futuro, um sentimento ambíguo em mim foi nascendo.
.Por um lado, a focalização de atenções desta forma na minha pessoa, não era algo a que estivesse habituado nem que me fizesse sentir confortável. A sensação de ser alvo de esmola ou comiseração ou de sentir que era motivo de esforço por parte dos outros não me deixava sereno. Dava por mim a pensar muitas vezes, "tanta gente que precisa e sem quem ajude" e, "porque me querem tanto ajudar a mim?". Por outro lado, tendo a certeza da irresponsabilidade no acidente e da isenção de culpa, era-me cómodo acreditar e esperar que tudo me fosse dado sem hesitação por parte das seguradoras. Mas a seguradora automóvel da outra parte "saiu de cena" ao fim de mês e meio, alegando irregularidades na apólice celebrada com o seu cliente e transportando o processo cível para uma dimensão completamente diferente... A seguradora de trabalho, apesar de estar a actuar de forma legítima, cobre apenas as suas responsabilidades... Tendo já um outro conhecimento do enquadramento legal em questão, é fácil admitir que, o ideal é longinquamente impossível. A restituição da situação anterior, impossível. Uma compensação justa e reconfortante, mais que improvável.
.Daí que, quando uns dias antes me apercebi por uns mails cruzados de uma “mailing list” a que pertenço, que afinal o jantar de amigos seria um evento de outras proporções, a realizar na Escola Secundária de Albufeira, com o objectivo de promover o convívio entre pessoas de vários quadrantes diferentes e recolher fundos para apoio à minha pessoa, me senti receosamente surpreendido. As emoções fundiram-se num receio e timidez não muito habituais em mim.
.Aquela sexta-feira chegou e o meu "Bruou" veio-me buscar a São Brás e levou-me para a escola. Quando cheguei fiquei petrificado. Pelo número de pessoas que lá se encontravam e pela avidez com que me queriam falar. Pessoas que já não me viam há anos e me encontraram nesta situação, amigos que, embora sabendo do sucedido, já não me viam há um ano, amigos de amigos e familiares de amigos que tinham curiosidade em me ver e conhecer. Senti-me desejado e querido! De certa forma senti uma retribuição pelo que sempre acreditei, ter sido um Amigo do Amigo. Apesar de não ter conseguido dar a devida atenção a ninguém em particular e de não ter sido capaz de seguir o impulso que me direccionava para umas palavras de agradecimento ao microfone, penso que as pessoas ficaram satisfeitas com o evento.
.Acho que naquele dia acabei por pacificamente concluir que todas as ajudas são bem-vindas. Por mais estranho que seja ver as pessoas a darem-me dinheiro, sei que é uma forma de ajuda que anuncia outras mais pessoais e desmaterializadas, como uma palavra amiga sempre presente ou um estender de mão... Sei também que à semelhança do que fizeram os meus amigos que organizaram este evento, ou de todas as pessoas, que mais ou menos próximas de mim, contribuiram, eu faria igual.


AS CONTAS:

.Com o dinheiro angariado, a entidade responsável pela organização do evento, a Associação Albufeira Activa, criou uma conta bancária em nome da Associação, única e exclusivamente com o propósito de congregar essas verbas para investimentos futuros que eu venha a precisar. O acesso é feito apenas pelos dois dirigentes da Associação, imediatamente a seguir a algum pedido que eu venha a fazer.
.Resolvi, para que fosse mais simples e organizado, transferir algumas ofertas entretanto feitas na minha conta para a dita conta da Associação. Por um lado, fica tudo congregado numa conta só. Por outro, não me parece correcto diluir na minha conta pessoal os meus dinheiros com o dinheiro que me é oferecido para um fim em concreto. E sendo dinheiro dado pela comunidade, parece-me que a comunidade tem direito a saber quanto deu e como será empregue. Assim, justifica-se a utilização desta conta e a realização deste blog, que incentivado por amigos, nasce com o objectivo de dar algumas notícias sobre mim, a minha situação e o meu dia-a-dia, bem como para ir relatando as contas das ajudas e futuros investimentos.

.Disponibilizo aqui o nib da conta Solidariedade/Albufeira Activa para quem quiser contribuir monetáriamente para uma ajuda futura à minha situação.


.NIB 001000004135265000189 do BPI


.Será bom que quem faça uma contribuição, e assim queira, se identifique, quer sendo depósitos ao balcão ou transferências automáticas. Para que eu saiba quem me ajuda e poder agradecer.
.Em seguida seguem documentos relativos às contas até à data.






Documento 1: relativo às participações e resultado financeiro do evento realizado na ESA a 27/06/2008. Desde já, um agradecimento muito especial para a Escola Secundária de Albufeira, no corpo da sua direcção e seus funcionários. Pois, não só disponibilizaram o espaço e todas as condições necessárias à realização do evento, sem quaisquer objecções ou entraves, como também participaram em toda a organização e desenlace do mesmo! Muito obrigado ESA.


Documento 2: relativo às ajudas monetárias que me têm dado. Aqui estão descriminados todos os depósitos e ofertas que me têm feito. Houve alguns depósitos que, por anonimato, não consegui saber de quem vieram. No entanto, o geral está apresentado.


.O total à minha disposição na data de 13/08/2008 é de 11705euros.


AGRADECER PORQUE É DEVIDO.

.É difícil para mim expressar de forma clara e sucinta o agradecimento que sinto por tudo o que têm feito por mim. Mais do que o dinheiro, sinto e regozijo-me pela atenção dada pelas pessoas. Quanto valeu todo o apoio e suporte dado em tantas visitas que me foram feitas ao longo destes meses de internamentos? E quanto tem valido quando, amiúde, me fazem sentir válido e normal, com avidez pela minha presença? E os telefonemas que, quebrando a barreira das distâncias, me mostram o quão próximo estou e estão de mim...
.Sei que a vida continua. A minha, não terá forçosamente que continuar a ser a ver as dos outros a desenrolarem-se a grandes velocidades... As dos que seguem, continuam a grandes velocidades pelos desafios que a vida lhes impõe. Mas sentir que até estes têm, aqui e alí, tempo para os que, como eu, ficam para trás, é o melhor que se pode ter...

.Nesta saga do Arraial agradeço...
.Muito especialmente àqueles amigos de sempre, que participaram na organização. A maioria deles, meus colegas de escola, alguns do tempo da primária, souberam respeitar a diferença, e deram-me sempre o benefício da duvída à medida que me afastava ou fazia escolhas opostas às suas. Foi há uns anos, quando me voltei a aproximar, que senti que eram amigos verdadeiros, tal foi a forma calorosa e sincera que me foram recebendo. Agora, tenho tido a "prova dos nove". Pois estes estão na linha da frente da batalha da Amizade.
.Uma grande gratidão vai também para todos os meus amigos, que me têm feito sentir muito querido e especial. Conto com todos vocês mais do que nunca. E espero que continuem a contar comigo também.
.À minha família, que nada me tem desiludido. Mostrando-me aquilo que eu esperava. Até neste evento fizeram questão de marcar presença.
.À Escola Secundária de Albufeira, de onde eu tanto tirei para a minha formação e personalidade, e que agora, depois de tantos anos, abriu as suas portas para me ajudar. E se se poderia esperar a colaboração para a organização de um evento de solidariedade, o que me foi dado foi muito mais. Ver várias professoras que me ensinaram, muitas ainda no activo, a demonstrarem um grande entusiasmo e alegria por me verem e poderem-me ajudar, foi muito especial. Sentir um carinho maior por parte de toda a equipa docente e funcionários foi muito reconfortante. A actual directora, a minha professora Célia foi, em síntese, o espelho de tudo isto.
.À Câmara Municipal de Albufeira, que disponibilizou material de som e palco para que se realizasse a parte musical do evento, bem como uma série de facilidades logísticas. Na voz do seu Presidente Desidério Silva, ouvi palavras de consolo e de interesse pela minha situação.
.E no geral, a toda a comunidade. Acorreu, participou, colaborou e ajudou. Ainda há compaixão neste mundo da humanidade!


Video 1 do Arraial: Igual a si própria, a minha mãe subiu ao palco e deixou um agradecimento. Comovida, recitou umas palavras da sua autoria, focando o apego e amizade que ela própria sente pela cidade de Albufeira e as suas gentes.


EM QUE GASTAR?

.Várias das pessoas que me foram dando dinheiro, talvez sabendo como este é volátil e necessário numa situação difícil como esta, me foram dizendo "toma, para o que precisares" ou, "gasta no que quiseres"... Sem dúvida que urge uma esquematização de prioridades para se perceber qual a ordem das necessidades. Assim, passei a acumular todas as ofertas para, mediante as necessidades, ir dispondo delas de forma organizada e sistemática.
.Neste momento, em meados de Agosto, sei de fonte segura que em breve avançarão as obras de adaptação da minha casa. A companhia de seguros de trabalho assume as despesas, concluindo que o meu internamento dispendioso só será interrompido mediante o aparecimento de condições físicas mínimas na minha residência. Isto mesmo foi sugerido e invocado à seguradora pela directora clínica do Centro onde estou. Ou seja, muito graças à sua força e vontade, esta questão verá um fim em breve. Claro que o dinheiro do internamento é bem vindo ao Centro. Mas mediante a impossibilidade de avanços significativos na minha condição e uma necessidade de regressar a um dia-a-dia mais comum, inserido numa rotina normal, levam a doutora a agir de forma firme e sempre em prol do doente. Questionem-se: e se não houvesse seguradora envolvida? Então, provavelmente já os internamentos teriam acabado e não haveria obras de adaptação absolutamente nenhumas...
.A questão das obras é uma prioridade. Dispondo da possibilidade de adaptar a casa dos meus pais, era sem dúvida de fazê-lo. Havendo essa possibilidade aberta na lei, eu teria que fazer valer o meu direito. Porquê viver numa casa que não me oferece a possibilidade de realizar as minhas higienes diárias ou transitar facilmente de uma divisão para outra? Pedidos orçamentos e apresentados à companhia, o custeado será de cerca de 14mil euros! Basicamente compreenderá o alargamento de quatro portas vitais à minha fácil circulação dentro de casa e acesso a ela, com a implementação de portas de correr em substituição das tradicionais de abrir. A conversão de uma garagem com cerca de 15m2 num quarto com cerca de 20m2, através do derrube de uma parede e, a reformulação de uma casa-de-banho próxima a esta garagem, numa casa-de-banho maior, mais cómoda e adaptada para o uso. Claro, tudo com os devidos acabamentos adaptados.
.Estas obras demorarão cerca de 4 semanas, pelo que no final do mês de Setembro, a fazer um ano do acidente, terei a casa minimamente adaptada.
.Alcançada esta vitória, a batalha seguinte mais próxima será a das ajudas técnicas. Entenda-se, cadeira-de-rodas, cadeira-de-banho, standing-frame (aparelho para a colocação em posição estática vertical), colchão de cama, tábuas de transferência, bicicleta eléctrica de mobilização dos membros inferiores, pesos, colchões de treino, aparelho de estimulação eléctrica, tudo o que permita a minha mobilidade e exercícios mais básicos em casa. Talvez até uma cadeira-de-rodas eléctrica que facilite a mobilidade num raio mais curto em redor de minha casa que, por inexistência de acessos, torna completamente impossível qualquer tipo de deambulação nas imediações com uma cadeira-de-rodas normal. Quem sabe até, um elevador de piscina, uma estrutura que funciona "tipo grua" e permite o fácil acesso à pequena piscina construida pelos meus pais e que poderá ter um lado fundamentalmente terapêutico para mim. Tudo isto assumia eu como obrigação legal da seguradora de trabalho. Mas os últimos contactos que têm sido feitos, deixam antever algumas reservas por parte desta em cumprir tal desígnio. Claro está que, custeado pela segurança social, baseado nos meus rendimentos e declarações de IRS, os materiais fornecidos seriam de má qualidade e não todos os necessários. Mas eu, na minha boa-fé e ingenuidade, ainda quero crer que será a seguradora a custear todos, e bons materiais que eu precisarei. Há também a questão do "timming". Tendo eu alta em breve, terei já estas questões definidas e resolvidas? A ver vamos...
.Ultrapassando estes problemas de curto prazo, outros se levantarão de futuro.
.Quem me pagará todo o material do qual passarei a necessitar diariamente para o resto da minha vida? A segurança social, como o faz (actualmente) nos demais casos, ou a seguradora? Se a seguradora, até quando? E cobertura médica futura por parte da seguradora. Terei? São tudo questões que ainda não sei a resposta com clareza...
.Um carro, que pelo isolamento da casa dos meus pais e pelas naturais dificuldades de mobilidade, passarei a necessitar vitalmente se quiser ter uma vida profissional e socialmente inserida.
.Uma possível ida a Cuba ou a outro sítio qualquer que apresente garantias razoáveis de melhoria na minha condição, por mínima que seja. Partindo do princípio que daqui para diante qualquer internamento a que me queira ou necessite de sujeitar terá que ser muito bem fundamentado e poderá ser, ou não, financiado pela companhia de seguros...
.Sob a mesma lógica da possibilidade anterior, qualquer tratamento, operação experimental, ou não, a que me queira sujeitar ou que para tal seja aconselhado. Concretamente a hipótese de um futuro implante de um neuro-estimulador de controlo de esfíncteres.
.Idas ou recursos a qualquer tipo de terapêuticas alternativas, que por assim serem, jamais serão aprovados ou financiados pela companhia de seguros em caso (Generali).


.Concluindo, não pretendo viver da caridade da comunidade. Terei direito a uma indemnização na parte do direito penal/cível, não sei de que valor, muito menos de quando a receberei. Conservo, apesar de tudo, uma ínfima parte das armas de que dispunha para trabalhar antes de ter tido o acidente. Pretendo usá-las. Tampouco desejo ser financeiramente dependente dos meus pais. Já me chegarão outras dependências. Mas qualquer apoio de quem mo quiser dar, é bemvindo!



Video 2 do Arraial: Um pequeno excerto da actuação musical da banda Jah Lita Friends. A par da organização, esta banda, da qual faz parte o meu amigo Bernardo (voz e guitarra), fez questão de participar também, dando o seu som à festa.



Video 3 do Arraial: Imagens do jantar capturadas pelo meu primo David. Se alguém quiser enviar material para publicar, façam-me o favor. Eu não disponho de mais nada.